Ainda sobre o tópico do Brincar na escola e a falta de autonomia e capacidades motoras nas nossas crianças. Na edição de Junho da revista TOPediátrica, revelamos um artigo do Washington Post que nos fala sobre as consequências da redução de tempo para brincar!
Aqui fica para que todos estejamos conscientes das nossas escolhas!
Ainda me lembro dos dias de pré-escola da minha filha mais velha. Lembro-me de querer desesperadamente enriquecer a sua vida de todas as formas possíveis – para dar-lhe uma vantagem logo à partida, ainda antes de entrar na escolaridade formal. Coloquei-a num infantário de natureza académica – o foco estava centrado na pré-leitura, escrita e matemática. Em casa, comprei-lhe puzzles especiais, estabeleci datas para brincar com outras crianças da mesma idade, lia-lhe coisas todas as noites, inscrevia-a em aulas de música, dança e levei-a a museus locais. Eu e os meus amigos até fizemos “aulas de enriquecimento” com as nossas crianças para treinarmos a categorização, pintura, contagem, números, letras e sim… até o ato de sentar treinámos! Achámos que isto iria preparar as crianças para o jardim de infância.
À semelhança de muitos outros pais norte-americanos, tinha uma obsessão: o sucesso académico da minha criança. Mas estava a fazer tudo errado. Sim, mais tarde a minha filha obteve notas acima da média, mas faltava-lhe competências importantes da vida. As competências que deveriam ter sido verdadeiramente nutridas durante os anos pré-escolares. Percebi-o quando a professora do infantário me abordou e disse: “A sua filha está a ter um bom desempenho académico. Na verdade, diria mesmo que ela excede as expectativas nessa matéria. Mas está a ter problemas com competências sociais básicas, como por exemplo no que diz respeito a partilhar com os outros e a esperar pela vez dela.” E não era apenas isso, a minha filha também estava a ter problemas em controlar as suas emoções, desenvolvido ansiedade e problemas sensoriais, e tinha até dificuldades quando simplesmente brincava sozinha!
Não tinha noção naquela altura, mas a minha filha estava longe de ser a única com problemas sensoriais numa idade tão precoce. Era uma epidemia em crescimento. Há alguns anos, entrevistei uma diretora altamente reputada de um infantário progressista. Já tinha uma experiência acumulada de 40 anos a ensinar crianças em idade pré-escolar, testemunhando nas últimas gerações enormes mudanças no desenvolvimento social e físico das crianças.
“As crianças estão simplesmente diferentes,” começou por dizer. Quando lhe pedi para clarificar essa ideia, disse que “elas têm um limiar de frustração mais baixo – muitas vezes choram por ter caído um boné.” Ela também observou que as crianças tombavam frequentemente dos seus bancos, “pelo menos três vezes por dia”, mostrando-se menos atentas, indo umas contras as outras, até mesmo embatendo nas paredes. “É bastante estranho. Estes problemas não existiam no passado”.
Acrescentou também que, apesar de a sua escola ser considerada altamente progressista, continuam a sentir pressão para limitar o tempo livre dedicado à brincadeira, mais do que ela gostaria, a fim de satisfazer as crescentes exigências de preparação académica esperada antes de as crianças entrarem no jardim de infância.
As investigações continuam a salientar que as crianças aprendem melhor através de experiências de jogo significativas, contudo muitos infantários estão a fazer a transição entre uma aprendizagem com base na brincadeira e um perfil mais académico por natureza. Um professor da pré-primária escreveu-me recentemente o seguinte: “Tenho crianças em idade pré-escolar e até eu sinto pressão para impulsioná-las nesta faixa etária. Além disso, os professores têm tanta pressão para documentar e justificar o que fazem, e o porquê de o fazerem, que o ambiente lúdico fica comprometido. Continuamos a fazer o melhor que podemos em função da criança, ao mesmo tempo que tentamos respeitar as restrições cada vez maiores às quais estamos confinados.”
Enquanto pais e professores se esforçam para proporcionar às crianças experiências de aprendizagem cada vez mais organizadas (como eu fiz outrora), as oportunidades para a brincadeira livre – especialmente no exterior – está a cair na lista de prioridades. Ironicamente, é através da brincadeira livre no ao exterior que as crianças começam a construir muitas das fundamentais competências de vida que necessitam para terem sucesso nos anos seguintes.
Na verdade, é antes dos 7 anos de idade – a faixa etária tradicionalmente conhecida como “pré-escolar” – que as crianças necessitam desesperadamente de ter diariamente imensas experiências sensoriais em todo o corpo, a fim de desenvolverem um corpo e mente fortes. Isto é melhor conseguido ao ar livre, onde os sentidos são totalmente estimulados e onde os corpos jovens são desafiados pelo terreno desnivelado, imprevisível e em permanente mudança.
Os anos pré-escolares não são apenas ideais para que as crianças aprendam através do jogo, mas representam também um crítico período de desenvolvimento. Se as crianças não conseguem ter movimentos naturais e experiências de jogo suficientes, começam o seu percurso académico em desvantagem. Tornam-se mais suscetíveis a serem desajeitadas, têm dificuldade em prestar atenção, enfrentam problemas para controlar as suas emoções, utilizam pobres estratégias de resolução de problemas e demonstram dificuldades nas interações sociais. Estamos constantemente, e cada vez mais, a ver o brotar de problemas sensoriais, motores e cognitivos na fase mais tardia da infância, em parte devido à falta de oportunidades para se movimentarem e jogarem numa idade precoce.
Enquanto adultos, qual é o nosso instinto natural quando surgem problemas? Em primeiro lugar, tentar e corrigir o problema que poderia ter sido evitado. Quando as crianças chegam à escola primária, treinamos técnicas especiais de respiração, competências de resiliência, organizamos grupos de competências sociais e utilizamos exercícios especiais numa tentativa de “ensinar” as crianças a permanecerem quietas e a melhorarem a concentração.
Porém, estas competências não deveriam ser ensinadas, mas sim desenvolvidas numa idade precoce, da forma mais natural possível – através de experiências de jogo significativas.
Se as crianças tivessem bastantes oportunidades de brincar ao ar livre todos os dias com os seus colegas, deixaria de existir a necessidade de recorrer a exercícios especializados ou técnicas de meditação para as crianças da nossa sociedade. Simplesmente desenvolveriam essas competências através da brincadeira. É isto. Algo que não precisa de custar muito dinheiro ou exigir bastante reflexão. As crianças precisam somente de tempo, espaço e permissão para serem miúdos.
Deixe que as experiências de aprendizagem guiadas por adultos surjam mais tarde. As crianças na idade pré-escolar precisam de brincar!
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